SOBRE A ROUBALHEIRA NACIONAL
O jornalista César Gama é especialista em jornalismo investigativo. Denúncias contra grupos de extermínio são seu foco. Neste artigo que reproduzo logo abaixo, César Gama analisa, à luz da psicanálise, a gênese da cleptocracia, que viria a explicar a compulsividade narcisista pelo poder e, por consequência, o patrimonialismo que resvala em corrupção desenfreada, mal que atingiria em alto grau não apenas o Brasil, mas o planeta inteira, independente do país ou do regime político adotado.

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A GÊNESE DA CLEPTOCRACIA: PSICANÁLISE
DA ROUBALHEIRA INSTITUCIONALIZADA II
No artigo anterior desta série havíamos concluído que a corrupção no Brasil vai muito mais além do que a simplória e pueril demarcação de um curto e restrito período político relativo à ascensão do PT ao poder.
Ressaltamos inclusive que a roubalheira desenfreada no país é crônica e muito mais ampla – na verdade sistêmica –, inerente não apenas à atividade pública no Brasil, mas nos quatro cantos do planeta, qualquer que seja o sistema político, econômico ou ideológico vigente.
Na semana que passou começaram a ser divulgados depoimentos que corroboram tais conclusões, prestados por delatores e empreiteiros denunciados na operação Lava-Jato, que investiga a corrupção na Petrobras.
As revelações dos réus divulgadas na semana passada deixaram claro que a corrupção na estatal não foi iniciada durante as gestões do PT no governo federal.
Segundo os delatores, a atividade ilegal na empresa remontaria ao governo peessedebista de Fernando Henrique Cardoso, quando começou, nos moldes atuais, o pagamento das propinas a políticos, diretores e funcionários da estatal, a partir de negociatas com as empreiteiras ora envolvidas no Petrolão.
Atrevo a acrescentar que antes mesmo da era FHC a bandalheira já deveria estar em curso na petrolífera, de modo contínuo e regular, com o mesmo caráter crônico e sistêmico, não com os atuais dirigentes das empreiteiras ou da estatal na condição de protagonistas – como agora, em que por terem sido pegos em flagrante, eles decidiram testemunhar os fatos – mas envolvendo certamente outros personagens de mesma estirpe, em períodos anteriores.
Feitas tais considerações, para melhor compreendermos o funcionamento daquilo que denominamos cleptocracia, ou seja, o governo dos ladrões, como adiantamos em nosso último artigo, é preciso primeiro entender a gênese dessa condição social doentia a partir de seu nascedouro: na natureza humana.
Daí que a análise passa necessariamente por investigarmos o que move o cidadão em direção ao desejo de poder político.
Quando reduzimos essa investigação à motivação subjacente que leva o sujeito humano à busca pela realização desse desejo de poder, percebemos estar tal estímulo associado à necessidade compulsiva de uma satisfação de natureza exclusivamente egoica, um sentimento extremo de caráter individualista, sublimado em fraudulenta manifestação pública altruística, exteriorizada por meio de um suposto genuíno interesse coletivo.
Em outras palavras, o desejo de poder político está associado na essência primária a interesses individualistas, que buscam sobretudo a satisfação do ego acima de quaisquer outros anseios.
É o desejo de controlar, manipular, de dominar o outro; a satisfação de uma vaidade incontrolável na busca por evidenciar-se, na ânsia por se destacar, que só sossega na medida em que o sujeito se sobressai dentre os demais, alcançando condição literal ou simbologicamente mais elevada do que a de seus pares; a necessidade de atingir patamares econômicos e sociais superiores aos de seus semelhantes; o desejo de demonstrar que é mais preparado, mais inteligente e mais esperto que a média, com a melhor capacidade para liderar a turba acéfala; o desejo de ordem sexual, de ter poder político ou econômico para sobressair-se dentre aqueles do seu próprio gênero, buscando com isso atrair a atenção do sexo oposto e melhorando suas condições de competitividade na guerra dos sexos; o perverso anseio de se dar bem a qualquer custo, de enganar seus semelhantes e de enriquecer sem fazer força, no velho estilo Gérson*, aquele em que a esperteza deve nos fazer levar vantagem em tudo, ainda que tendo a desonestidade como parâmetro.
Sem contar com poucas outras motivações de certa forma mais altruísticas, mas não menos egoicas, na medida em que se busca o interesse coletivo sempre na esperança última de fortalecer positivamente a sua própria imagem.
É aquela velha prática supostamente solidária de distribuir esmolas na expectativa de garantir junto a Deus uma vida eterna longe do inferno.
Descortinadas as motivações sub-reptícias relacionadas ao desejo de poder, conclui-se facilmente que a razão da roubalheira desenfreada, não apenas no Brasil mas no mundo inteiro, está perfeitamente explicável pela própria indefectível e irremediável condição humana: uma natureza centrada sobretudo no egoísmo pura e simples, ainda que aparentemente algumas ações rumem em sentido contrário a essa constatação, quando não se levam em conta algumas motivações subliminares.
Estando a maioria dessas motivações humanas pelo desejo de poder baseadas em sentimentos individualistas, sejam de ordem consciente ou inconsciente, mas essencialmente egoicos, não é difícil prever que, seja lá qual for o sistema de poder montado pela espécie humana nas sociedades, invariavelmente ele estará descambando para uma descarada cleptocracia.
Um governo que mistura interesses públicos e privados, unindo naturalmente a elite econômica dominante aos membros da casta dirigente política de plantão, independentemente de partido político, em torno de objetivos comuns e absolutamente privados, onde o lucro estará acima de tudo.
Ou seja, com PT ou sem PT, a tendência é que a roubalheira na atividade pública vira e volta esteja sempre em alta. Como afirmamos, no artigo anterior, tal fato ocorre desde que o mundo é mundo, ocasião em que citamos os exemplos da Roma clássica e da França medieval.
Que o digam os Estados Unidos contemporâneo. País supostamente tido como exemplo de nação onde reina a decência política, mas campeão da corrupção ilimitada no planeta, que une grandes corporações capazes de tudo pelo lucro, a governos irresponsáveis, belicosos e genocidas, numa gigantesca organização criminosa impune. Comparado aos EUA, a corrupção brasileira é uma gota d’água num oceano de lama representado pela bandalheira norte-americana.

Por César Gama
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Leia o artigo anterior (A GÊNESE DA CLEPTOCRACIA PSICANÁLISE DA ROUBALHEIRA INSTITUCIONALIZADA I): http://sergipeonline.com.br/2015/02/08/estreia-cesar-gama-e-o-mais-novo-colunista-do-sergipe-online/


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(*) Nota de #VerdadesQueIncomodam: O termo vem da cultura midiática brasileira, e se refere a Lei da Vantagem ou “Lei de Gérson”, quando uma pessoa ou empresa tenta obter vantagens de forma indiscriminada, sem se importar com questões éticas ou morais. A “Lei de Gérson” acabou sendo usada para exprimir traços bastante característicos do caráter da população, associados à disseminação da corrupção e ao desrespeito a regras de convívio para a obtenção de vantagens.

ACERCA DO ARTIGO DE CÉSAR GAMA
O jornalista César Gama é um intelectual formidável, com grande conhecimento sobre assuntos diversos e, sempre que possível, polemista juramentado. É bom tê-lo nestas #VerdadesQueIncomodam. De fato, este espaço, de certa forma, surgiu por sua inspiração e provocação.
O artigo dele traz algumas verdades interessantes para instigar o senso crítico, especialmente quando afirma que a busca pela realização do desejo de poder, “uma satisfação de natureza exclusivamente egoica” do ser humano, travestida de “manifestação pública altruística, exteriorizada por meio de um suposto genuíno interesse coletivo”, permite o que Nicolau Maquiavel – aqui vem meu julgamento – definia como os fins a justificar os meios.
Em suma, “o perverso anseio de se dar bem a qualquer custo, de enganar seus semelhantes e de enriquecer sem fazer força”, não foi uma invenção petista. Falhou César Gama ao não se permitir uma dosimetria – não que a perversão possa ser medida pelo numerário subtraído dos cofres públicos, não, por favor! Ocorre que o Brasil vive agora sob o governo dos ladrões, como nunca antes na história deste país. Rouba-se muito, descarada e desordenadamente. Isso faltou dizer.
O que moveria o petismo em direção ao escândalo? Pelo que diz César Gama, tal assertiva seria “justificável” pela busca de realizar, a qualquer custo e meio, esse desejo de poder, ora “sublimado em fraudulenta manifestação pública altruística”, para o bem coletivo. Os membros do partido roubariam, portanto, não para si mesmos – coisa da vilania burguesa e da corja direitista –, mas para manter esse suposto genuíno interesse coletivo, o de garantir a sobrevivência nas instâncias do poder daqueles que, por pureza d'alma, pensam apenas no povo e só roubam para proteger o povo das garras daqueles que querem explorá-lo, sem nada dar em troca – nem uma Bolsa-família.
É verdade que, “com PT ou sem PT, a tendência é que a roubalheira na atividade pública vira e volta esteja sempre em alta”. Ocorre que, com o PT, a roubalheira virou uma “política” de governo. Se o era noutros tempos – e creio que o fosse, sim! –, não alcançava o patamar endêmico e sistêmico de hoje, nem comprometia instâncias outras do Poder, como o Legislativo (compadrado e cooptado) e o Judiciário (idem). Ou seja, havia mais pudor e mais gente com verdadeiro “espírito público”. Não digo isso por inocência, mas baseado no princípio da exceção.
O ranking da Transparência Internacional, que mede o nível de corrupção no planeta, aponta a Dinamarca, novamente, como o país com a menor percepção de corrupção no setor público. No ranking que vai de 0 (mais corrupto) a 100 (menos corrupto), a Dinamarca obteve nota 92, a maior entre os 175 países e territórios avaliados. Por sua vez, a Nova Zelândia é o segundo país com a menor percepção sobre corrupção no setor público do mundo, seguido pela Finlândia (terceiro), Suécia (quarto) e Noruega (quinto).
A história desses povos, rica em saques aos vizinhos e além-mar, é também a história da civilidade, através da qual, pela evolução social, hoje se abomina a tendência ao “jeitinho”, à “Lei de Gérson”, e a qualquer modo interação/acordo entre corruptor e corrompido, entre eleitor e eleito. Pimba: a corrupção política no Brasil, ao fim e ao cabo, seria reflexo da própria hipocrisia nacional, porque temos um povo cuja “natureza humana”, para usar um termo caro a César Gama, é primitiva.
Por fim, para evitar que esse texto atinja um número maior de caracteres que o do colega, fecho com um alertar ao leitor acerca da síndrome que persegue César Gama, a de devotar aos Estados Unidos (e aos judeus) todos os males do mundo – hoje, para minha surpresa, os judeus foram poupados, aliás! Grandes corporações capazes de tudo pelo lucro, governos irresponsáveis, belicosos e genocidas, e gigantescas organizações criminosas impunes estão em toda parte.
Se neste exato instante residem seus áulicos e poderosos mandatários nos EUA, é porque lá se sentem mais seguros e protegidos – como estiveram seguros e protegidos por séculos na velha Inglaterra, na Alemanha pré-Weimar, etc. Ratos, como se sabe, fogem ao primeiro balançar do navio...
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Por David Leite ©2015 | 19/02 às 10h45 | Reprodução permitida, se citada a fonte | Com informações da imprensa e fontes de pesquisa | Clique na imagem para ampliar.
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PARA EVITAR QUE TANTOS DIGAM
MAIS BESTEIRAS SOBRE O RÁDIO!

O rádio sergipano é a bola da vez. Tema recorrente nas redes sociais, sobretudo por incomodar personagens da política, do direito e, vá lá, também gente com falta do que fazer da vida.
Há até quem critique o rádio sem nunca ter ouvido um programa matinal. Na verdade, sem espanto, a audiência total de todos os programas veiculados nas manhãs aracajuanas, se somados, não perfaz nem 12% dos rádios ligados (Ibope/2014).
O povo – esse “aglomerado indigesto de fragmentos” – sabiamente opta pela música. Ruim, é verdade, mas prefere arrocha e pagode do que ouvir falação (com quase nenhuma informação no entrecorte), na base do berro, muito berro. O microfone funciona para reverberar a soberba, a galhofa e a “panaceia”. Sim, o radiojornalismo sergipano é quase milagroso, conseguindo resolver até unha encravada e terçol.
O que pouca gente sabe é que o rádio já nasceu assim. Se hoje as emissoras sergipanas enfrentam uma grave crise de confiança é porque, em parte, também caiu o nível de vergonha na cara dos comunicadores e o jornalismo foi transformado em “mercadoria” – aliás, afora uns poucos jornalistas e veículos, a credibilidade da imprensa local está em queda livre!
Nos seus primórdios, o rádio sergipano surgiu (1939) para integrar uma ampla rede nacional de comunicação cuja missão primária era manter a ordem pública e unir a nação em torno do ideário político do ditador Getúlio Vargas. A atribuição básica era difundir o conteúdo “educador” do Estado Novo e veicular a propaganda ideológica, ligada à estratégia de defesa nacional.
Primeiro político brasileiro a enxergar a influência social do rádio, Getúlio Vargas o usou para persuadir a massa a se engajar na “doutrina” nacionalista que apregoava. O presidente distribuiu entre amigos e simpatizantes da sua causa concessões para o funcionamento de emissoras particulares e oficializou o rádio educativo estatal. O rádio em Sergipe nasce dessa leva.
Ou seja, a visão patrimonialista brasileira – o uso dos recursos públicos em proveito de causas pessoais, portanto, privadas – está na raiz do nosso rádio.
A primeira emissora sergipana, a Rádio Aperipê, foi implantada dentro do Palácio do Governo pelo interventor federal Eronildes de Carvalho. Era, obviamente, um instrumento do poder público a serviço dos políticos. Lá se vão quase 76 anos de história e, mesmo a emissora nascida para se opor ao regime, a Rádio Liberdade, fundada em 1953 pelo industrial Albino Silva, tinha por “missão” também difundir conteúdo político e ideológico.
A nova feição do rádio brasileiro, hoje extremamente profissional, repleto de mudanças tecnológicas que ampliaram o alcance e a qualidade das transmissões, ainda resguarda o viés político e ideológico inicial. Em Sergipe, contudo, ocorreu a involução do meio. A pauta política foi substituída pela pauta politiqueira e pilantra, cujo foco é enriquecer empresários e comunicadores.
Quem faz o jogo do poder recebe gordos dividendos financeiros. Atores que até ontem trafegavam de marinete, moravam de aluguel e merendavam bolachão com Tubaína, agora despontam entre os “novos” ricos de Sergipe. Andam aboletados em carrões de luxo, repastam nos cardápios exclusivos e convivem nos metros quadrados mais finos de Aracaju (e em cidades como Paris).
A opinião no rádio tem preço, sim! E se há espertos dispostos a comprá-la, há bufões a postos para vendê-la e faturar alto.
Vejam que nada há de novo nessa relação entre o rádio “patrocinado” pelo patrimonialismo e os vigaristas que fingem fazer jornalismo.
O incômodo causado por esses “novos” ricos do rádio no tecido burguês de Sergipe ocorre porque a velha burguesia não tolera quem acende socialmente arrotando e trazendo consigo hábitos e valores culturais “inadequados”. A Justiça está em alerta. O Ministério Público e a Polícia Federal, também.
O rádio fez, faz e fará política sempre, em todos os períodos, sob todos os governantes. Nada mais “normal”, portanto. A pilantragem politiqueira é que atrapalha. O grande público a deplora, e com toda razão.
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Por David Leite ©2015 | 17/02 às 16h20 | Reprodução permitida, se citada a fonte | Com informações da imprensa e fontes de pesquisa | Clique na imagem para ampliar.