“INOCENTES” INÚTEIS, OS JUDEUS E O MALDITO
CAPITALISMO: TUDO JUNTO E BEM MISTURADO!
O mundo vive uma crise moral, um momento delicado, quando radicais islâmicos querem impor à humanidade, por meio da força bruta, um “estilo” de vida segundo leis religiosas. Mas sabem de quem é a culpa por esses coitadinhos agirem assim? Dos ubíquos judeus – sempre eles – e do maldito capitalismo. Os “inocentes” inúteis da esquerda até gritam que o “Charlie Hebdo” abusava...
O engraçado de tudo isso – se é que podemos rir, ainda mais diante da morte! – é que aquela redação esquerdista era reconhecida mundialmente por ser extremamente antirracista, antifascista e anticolonialista. Se havia conteúdo crítico ao islamismo, havia também contra o cristianismo e o judaísmo. Trocando em miúdos: o “Charlie Hebdo” sempre foi, antes de mais nada, um jornal provocativo, satírico, “subversivo”, anticlerical e por vezes até antirreligioso. E daí? É crime estimular o ódio (aqui e na França). Não era o que fazia o fanzine, afeito apenas à ironia.
Agora há pouco, vi pela TV parte da entrevista coletiva da turma que sobreviveu ao massacre de quarta-feira em Paris e que já prepara a edição do “Charlie Hebdo”, prevista para circular a partir de amanhã, com o auxílio luxuoso do “Libération”, do Google e do governo Francês. Serão três milhões de exemplares em 16 línguas, ante os 60 mil da última edição. O tiro saiu pela culatra, vê-se. Na capa, um Maomé choroso, dizendo que tudo está perdoado e segurando um cartaz com a frase “Je suis Charlie”. Quem riu por último, afinal? Os radicais, onde quer que estejam, terão de engolir mais essa. #Uia
Misturando as bolas, surgem no contexto do debate os judeus; sempre eles, aliás... Os fascistas europeus e americanos – brasileiros e sergipanos, também –, o grupo radical egípcio Irmandade Muçulmana, os terroristas degoladores do Estado Islâmico e os plestinos do Hamas concordam que os judeus devam ser exterminados. A questão palestina pesa, mas é apenas uma nesga a provocar o ódio a um povo com maior número de laureados pelo prêmio Nobel desde sua criação.
Várias colônias de judeus foram estabelecidas em terras confiscadas de proprietários nativos não-judeus na faixa de Gaza e arredores, ao custo de muitas vidas, inclusive de mulheres, crianças e adolescentes. Alguém ouviu um “ai” da imprensa ocidental? É visível a disparidade no valor da vida humana aos olhos do mundo ocidental: palestinos morrem feito baratas e, isolados na pobreza, são descartáveis; já os judeus quase sempre são sacralizados, que o diga a comoção em Paris pela morte de quatro deles num atentado correlato ao do “Charlie Hebdo”.
A mídia ocidental trata como “resposta” as ofensivas de Israel contra os palestinos, como se a resistência palestina não fosse, ela própria, um grito contra a opressão israelense. Se o Hamas mata judeus, não interessa quem os matou, ou sob quais circunstâncias. Toda a população palestina sofrerá – mais do que já sofre, normalmente, sob ocupação. A questão é que Israel, único enclave democrático no Oriente Médio, é visto como reduto do mal, enquanto o Hamas promove na Faixa de Gaza um regime onde prevalecem as “leis de deus”, conforme ditadas ao profeta Maomé.
Estamos diante de uma armadilha, e é preciso lutar para não sermos arrastados ao extremismo – os crimes contra a vida, perpetrados por insanos, não devem ser relativizados, advenham eles de militares norte-americanos mundo afora ou de judeus no Oriente Médio, de radicais islâmicos contra uma escola do Paquistão, em Paris ou no Iraque. Eis a questão: para justificar o arraigado antissemitismo e antiamericanismo na Europa e na América Latina, sobremodo, aceita-se até que o mundo retroceda à Lei Islâmica (Sharia). Não há como aceitar tamanha involução, óbvio.
Misturando as bolas um pouco mais, surge o maldito capitalismo e a guerra fria contra o regime assassino mais degradante da história humana, responsável por mais de 100 milhões de mortes, o comunismo! Atualmente, a maioria dos movimentos radicais islâmicos, no mundo todo, tem ligação com a ultraconservadora e reacionária seita wahhabismo, que controla a vida política da Arábia Saudita, do Catar e de outros aliados do Ocidente no Golfo Pérsico. Mesmo violento, direitista, extremista, reacionário, sexista e intolerante, o wahhabismo, direta e indiretamente, ainda hoje, mesmo após o 11 de setembro, recebe apoio de norte-americanos e europeus, numa contraposição ao regime russo. Durma com um barulho desses...
No passado, mais precisamente entre 1979 e 1989, os wahhabis vindos de todos os cantos do mundo islâmico foram treinados, financiados, armados e empregados no Afeganistão pelo Ocidente e seus aliados, para lutar a “Guerra Santa” contra os ateus comunistas. Não foi uma luta fácil, mas o resultado da guerra é conhecido: a União Soviética e o comunismo entraram em colapso econômico e psicológico. Entre os guerrilheiros estrangeiros envolvidos na “jihad” aos infiéis esquerdistas estava o jovem saudita Osama Bin Laden, criador e mentor da notória Al-Qaeda.
Os governos ocidentais que estimularam os wahhabis contra a URSS agora se veem, temerosos, diante do monstro criado. Mas como esses grupos se mantêm? Aparentemente, o apoio financeiro dos que atuam a partir e no Egito, Tunísia, Líbia, Síria, Iêmem, Barein, Iraque, Irã, Afeganistão e Paquistão vem de doadores ricos na Arábia Saudita e nos Emirados Árabes, e as suas raízes ideológicas estão no extremismo islâmico radical saudita, que permanece crescente.
Não será fácil cortar uma fonte econômica tão poderosa, alimentada pelos petrodólares e pelo ódio tribal, agravado ainda pela perda de influência política dos xeques árabes, de maioria sunita, contra xiitas e outras etnias alocadas no Norte da África, no Oriente Médio e Ásia Ocidental. A imposição da Lei Islâmica seria, então, uma mera “cortina de fumaça” a atuar em favor de interesses políticos?
Até um século atrás, a maior parte das sociedades muçulmanas, inclusive as da Síria, Iraque, Irã, Egito, Indonésia e Palestina eram absolutamente seculares e moderadas. Estavam muito mais preocupadas com a vida, o entretenimento, e até mesmo com a moda, do que com dogmas religiosos. Devemos lembrar ainda que o islã não é apenas uma religião; é também uma enorme cultura, uma das maiores do planeta, que enriqueceu a humanidade com conquistas científicas e arquitetônicas e com contribuições no campo da medicina, na música e nas artes. O que mudou?
Mudou a imposição do Ocidente, após a Segunda Guerra Mundial: a existência e a popularidade de governantes muçulmanos progressistas e marxistas administrando países ricos em recursos naturais eram claramente inaceitáveis, sobretudo se pretendiam usar aquela riqueza para melhorar a vida de seus povos. O que sobraria para corporações capitalistas? No livro autobiográfico “Confissões de um Assassino Econômico”*, o americano John Perkins explica como organizações internacionais (FMI, Banco Mundial, etc) canalizaram, através de empréstimos, verbas de países pobres para grandes corporações e famílias abastadas, que controlam as maiores fortunas mundiais.
A luta contra o imperialismo Ocidental, portanto, sobretudo o norte-americano, artífice de guerras que devastaram boa parte da infraestrutura de nações antes prósperas, como o Iraque, e que persiste na dilapidação de riquezas, especialmente do petróleo e do gás natural, estaria na raiz do engajamento dos milhares jovens pobres e iletrados contra os infiéis bem nutridos da Europa e Estados Unidos, sem falar que é um grande negócio para os radicais islâmicos absorver e gerir um patrimônio fantástico, seja ele em termos de grandes vastidões de terras e o petróleo, obviamente.
Por outro lado, moços e moças nascidos no Ocidente, descentes de imigrantes, encontram em sua maioria um clima de crescente xenofobia na Europa. A “inadequação” ao modo de vida ocidental e a falta de educação, de acesso a trabalhos dignos e de respeito à cultura religiosa fomentam a ira e ódio, e também estimulam que mais de dois mil jovens europeus, envolvidos pelo discurso motivacional pregado por líderes religiosos wahhabis não mais nas mesquitas, de onde parte deles foi expulsa, mas na internet, funciona como chamariz para uma vida aventureira nos desertos.
Em resumo, “inocentes” inúteis, judeus inescrupulosos controlando grande corporações financeiras, o maldito capitalismo devotado a dilapidar de muitos para enriquecer uns poucos, a falta de perspectivas de futuro e de melhores condições de vida para uma juventude oca e fragilizada, tudo junto e bem misturado, fomentam ataques como o perpetrado ao “Charlie Hebdo”, apenas o bode expiatório de uma “causa” muito maior. O mundo ideal seria aquele onde todos pudéssemos viver em paz, cercados de justiça social e qualidade de vida. A ganância e a intolerância – de todo tipo – são as verdadeiras chagas, responsáveis pelo atraso e regressão da humanidade. Pensemos nisso...

(*) Leia resenha sobre o livro “Confissões de um Assassino Econômico” em http://abraoolho-dmilk.blogspot.com.br/2011_08_28_archive.html.
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Por David Leite ©2014 | 13/01 às 18h00 | Reprodução permitida, se citada a fonte | Com informações da imprensa e fontes de pesquisa | Clique na imagem para ampliar. #Curta #Comente #Compartilhe