ELEIÇÃO TEM DESSAS COISAS
Não adianta chiar: Dilma Rousseff está reeleita, e ponto final. Não cabe agora discutir se o PT merece ou não estar aonde chegou, mais uma vez. Minha missão hoje é buscar entender a mecânica do voto do brasileiro. Como ele foi dado em cada região e possíveis motivos para a influência de vários fatores, usando como base os dados obtidos com a totalização feita pelo TSE.
Comecemos por um número espetacular, mas corriqueiro em todas as eleições presidenciais desde 1989: do total de eleitores inscritos para este pleito (142.822.046), 64,6 milhões não votaram em nenhum dos candidatos no primeiro turno; já no segundo turno, foram 37,2 milhões de eleitores que se abstiveram (30,1 milhões), votaram branco (1,9 milhão) ou anularam o voto (4,6 milhões).
A tendência histórica para o segundo turno, quando o eleitor tem apenas dois candidatos, é que o percentual de votos brancos e nulos caia, se comparado com o primeiro turno. Ontem, por exemplo, votaram em branco ou anularam o voto 6% dos eleitores, enquanto no último dia 5 foram 10%. Trata-se de um padrão repetido em todas as disputas decididas no segundo turno.
Já as abstenções têm padrão inverso: o número de pessoas que não vai votar costuma aumentar do primeiro para o segundo turno das eleições. Neste ano, o número de abstenções passou de 19% para 21% entre a primeira e a segunda votação. Num comparativo com as eleições passadas, o número ficou praticamente estável, em torno de 20%, sendo que em 2010 houve um número recorde de não comparecimento: 22% do total.

Votação pelo Brasil – A vitória do PT foi assegurada basicamente pelo Nordeste. Como ocorreu no primeiro turno, Dilma Rousseff venceu em todos os Estados da região também no segundo turno. O Maranhão deu o maior percentual de votação à petista, 78,7% contra 21,4%. Já em Pernambuco, onde os tucanos esperavam melhorar a performance – Marina Silva e Aécio Neves obtiveram juntos no primeiro turno 53,9% dos votos –, a petista fechou com 70,2% contra 29,8% do tucano. Fator indiscutível da vitória: o PT superou 70% dos votos em cinco Estados, todos no Nordeste.
Também pesaram na derrota tucana as votações obtidas no Rio de Janeiro (45% contra 54,9% pró PT), Estado onde a oposição não teve candidato a governador e, portanto, ficou sem um interlocutor, ao contrário de Dilma Rousseff, que aglutinou em torno de si todos os demais pretendentes; e Minas Gerais (47,5% contra 52,4% pró PT), Estado que, de acordo com o próprio coordenador da campanha tucana, senador Agripino Maia, presidente do Democratas, recebeu de Aécio Neves atenção menor do que a dedicada a outros importantes colégios eleitorais.
O caso de Minas Gerais é emblemático para o PSDB: Pimenta da Veiga, candidato tucano ao governo foi derrotado fragorosamente ainda no primeiro turno, assim como o próprio Aécio Neves.
O dado peculiar, digamos assim, é que, se a votação ocorresse apenas com os eleitores das capitais dos Estados – o candidato do PSDB venceu em 15 sedes administrativas (incluindo Belo Horizonte e Brasília), enquanto a petista conquistou 12 –, Aécio Neves superaria Dilma Rousseff com vantagem de 7%, ou 53,77% dos votos (13,4 milhões) contra 46,23% (11,5 milhões). Prestem atenção a este detalhe porque ele será crucial para fechar a avaliação.

Razões para o voto – “A culpa é do povo pobre do Nordeste, que depende do Bolsa Família”. Em resumo, para boa parte dos eleitores tucanos – não apenas os residentes no Sul/Sudeste –, esta seria a causa maior da derrota de Aécio Neves.
A questão exige retórica um tanto mais elaborada! A campanha de Dilma Rousseff comunicou melhor que a de Aécio Neves, é fato. Um dado crucial: a taxa de “ótimo” e “bom” da presidente melhorou 40%, saindo de miseráveis 32% para sólidos 46%, após ter início na TV a alquimia marqueteira de João Santana – a internet, redes sociais e as plataformas móveis tiveram muita relevância, mas nada comparável ao impacto causado pelas inserções televisivas.
Mesmo que Aécio Neves tivesse virado o jogo, não o alcançaria por efeito de sua frágil comunicação de campanha, e sim por um outro fator que o fez catalisar milhões de votos: dois em cada três eleitores queriam mudança... As tentativas do tucano de embutir no debate o tema “corrupção” até contribuíram para reforçar a indignação, contudo foram insuficientes para driblar o verdadeiro “que” que moveu a cabeça do eleitor: “Arriscar uma mudança, por quê, se por aqui a coisa não está assim tão ruim?”. Eis o mote elementar usado pela campanha do PT, que acabou convencendo.
A concordar com tais assertivas, vem em meu socorro o professor da UFPE Marcus André Melo, para quem a força eleitoral do PT entre os mais pobres não adviria desse fenômeno político moderno denominado “lulopetismo”, mas de um bem mais antigo, o “qualunquismo” – o governismo arraigado somado à indiferença e cinismo cívico –, termo italiano que significa “qualquer um”.
Ou seja, a adesão desse contingente de menos favorecidos se daria não ao líder de plantão, seu ideário e/ou projeto redistributivo de renda. O pobre, dependente das ações governamentais, caso do Bolsa Família, votaria em qualquer candidato, desde que lhe proporcionasse benefícios palpáveis. Segundo Marcus André Melo, em artigo publicado no site do cientista político Simon Schwartzman (16/01/2014*), “O argumento do qualunquismo tem sido defendido com base nas evidências de que o eleitor dos grotões (leia-se, interior do país) sempre tende a apoiar quem está no governo, mesmo quando não mantém afinidades eletivas com ele.
De fato, “As pesquisas mostram que nas últimas cinco eleições presidenciais o voto nessas regiões (Norte/Nordeste) tem sido invariavelmente governista”. A força intuitiva desse argumento pode ser corroborada observando-se o mapa que ilustra esta publicação. O voto petista efetivamente concentrou-se nos Estados mais pobres. Excetuando o Acre (terra de Marina Silva), Roraima e Rondônia, Estados onde Aécio Neves venceu a candidata do PT, a votação de Dilma Rousseff no Norte/Nordeste foi avassaladora. “Quem está na oposição só tem a oferecer ideologia e princípios: por isso o PT, como o MDB antes dele, nasceu urbano e cosmopolita”, argumenta o professor pernambucano.
Trocando em miúdos: vieram do interior do Brasil, de todas os Estados – e não das zonas com melhor poder aquisitivo e, portanto, melhor escolaridade (capitais) – os votos para a reeleição da presidente. Dito assim, os responsáveis pela votação de Dilma Rousseff não foram apenas os eleitores pobres do Norte/Nordeste, mas a maioria dos brasileiros que têm baixa renda, e que sob a democracia apoiam medidas redistributivas. Os dados estatísticos do TSE sustentam esse argumento robustamente.
Por fim, diante da tese muito satisfatória do “qualunquismo” para explicar a divisão acirrada de votos que se viu neste pleito, como nunca antes na história destes país, e a conclusão óbvia com a vitória do “lulopestismo”, fica uma certeza: enquanto parcela significativa do país continuar a depender de políticas públicas afirmativas e do auxílio financeiro governamental, o eleitor de baixa renda ainda votará no presidente que redistribui mais e melhor (e no oligarca local que aprovar a emenda ao Orçamento).
A democracia tem dessas coisas! Mas, ao menos por enquanto, não se inventou nada melhor que ela. Por enquanto...
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Por David Leite ©2014 | 27/10 às 17h20 | Reprodução permitida, se citada a fonte | Com informações da imprensa e fontes de pesquisa | Clique na imagem para ampliar. #Curta #Comente #Compartilhe