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Quinta-feira, 02/06/2011 | 14h25
A vez dos poetas
Ou De uma jaca, uma limonada
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(Sem título)
Tenho um rio encravado no peito
Há margens e leito e corredeiras
Venha navegar que eu sou manso
Mansinho mansinho
Carlos Cauê, pelo Twitter


Carlos Cauê tem sido, nos últimos anos, louvado pelo trabalho como jornalista e publicitário. Fundador do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) em Sergipe, ele comandou diversas campanhas eleitorais entre 1988 e 2010. Tem reconhecida atuação no cenário político sergipano. Foi Secretário de Comunicação da Prefeitura de Aracaju e atualmente é secretário estadual de Comunicação. Mas há uma faceta dele pouco conhecida do público, a de poeta.
Como tal, o jornalista sem histórico e publicitário acarinhado, o homem sorridente e suas idiossincrasias, o cara modesto que habita o mundo real em chinelos de dedo e bermuda despojada, o secretário de Comunicação respeitado pelas vitórias eleitorais, misturam-se todos numa mesma panela e nela, com perdão do cacófato, Carlos Cauê cozinha a dinâmica usada para traduzir em palavras o “sentimento” de quem assessora – no caso em voga, o governo sergipano.
Antes de integrar-se ao “staff pensante” da gestão do PT, o poeta Carlos Cauê emoldurava com relevo sintático a pouco prolífica – em qualquer viés que se pretenda – administração de Edvaldo Nogueira, o prefeito comunista da Capital. Lá, como agora, ele tentava produzir de uma jaca uma limonada. Mestre no manejo das obliterações, com suas letras calculadas uma a uma, ele consegue até fazer da administração de Marcelo Déda um trocado a mais do que de fato é...
Hoje, contudo, a pena comovente de Carlos Cauê logrou o impossível, até mesmo para um poeta: mudar o mundo real; a realidade nua e crua; a vida como ela é! Através do Twitter, nesta fase de ousadia dos agraciados com o dom do poético, Carlos Cauê quis confundir seus atentos seguidores, fazendo de conta que desconhece a “cizânia”, para usar uma palavra sua, entre os líderes das facções políticas em disputa pelo mando de Aracaju. Disse ele:
“Enquanto a turma da cizânia se esforça pra afastar Marcelo Déda e Edvaldo Nogueira, os dois, em Brasília, traçam planos de futuro, juntinhos. Eles viajaram hoje a capital federal, têm compromissos administrativos e almoçam juntos. No menu: política, é claro. Só mesmo uma visão tacanha e coronelesca estranha que a autonomia e o respeito componham uma relação de aliados. Melhore gente.”
A “turma da cizânia”, citada por Carlos Cauê, somos todos nós, os sergipanos que vimos as inserções do PCdoB e PT na TV, com afetos recíprocos (leia mais abaixo Um imbróglio sem fundamento). Ah, aquele louco amor! Como outro famoso poeta, o secretário também busca despir-se do que por hora não lhe serve de adereço à criação – mas não duvide: num futuro próximo, talvez precise optar entre permanecer no conforto atual ou migrar ao ninho de origem!
Pois é, de uma jaca, uma limonada...

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Domingo, 29/05/2011 | 08h55
A celebridade Araripe Coutinho
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Lírica
Quem se lembraria
de trazer-me um pêssego
numa tarde de angustia?
Araripe Coutinho in “Amor sem Rosto”; 1990 (Fundação Estadual de Cultura)
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A imagem de Sergipe na semana que findou esteve associada nacionalmente ao poeta nativo Araripe Coutinho. De forma abrangente, fotos dele em poses desnudas, produzidas no hoje Palácio-Museu Olímpio Campos, foram exibidas ao Brasil através de inúmeras reportagens em meios múltiplos, vindo a fechar o ciclo a coluna “Panorama”, da revista Veja, a mais lida no país.
O próprio poeta tratou de resumir a ânsia da mídia por desqualificar sua “arte”: “Se fosse um marombado, tudo bem! Mas trata-se de um nordestino, baixinho, gay, gordo e preto. É puro preconceito.” Será? Em “Nação de homens nus”, um retrato de Araripe Coutinho ilustra em Veja como “somos literais e despojados de qualquer conceito”, na opinião da revista.
Raros são os texto assinados por Mário Sabino em Veja (foto abaixo). Redator-chefe da publicação, talvez incontido diante do inusitado repasto, tratou ele próprio de rebuscar alguma explicação àquela “arte” cujo fito, segundo o poeta, seria “promover a poesia de Araripe Coutinho, ainda majoritariamente desconhecida dos sergipanos” – e, certamente, dos demais brasileiros.
Comparada por Mário Sabino à Maja Desnuda – obra conceitual do espanhol Francisco Goya, em exibição no Museu do Prado em Madrid, e tema do filme “La Maja Desnuda” (1958) de Henry koster, com Ava Gardner no papel principal –, a “arte” de Araripe Coutinho é destroçada pelo sarcasmo que escândalos do porte costumam provocar em espíritos, digamos, mais desprevenidos.
Do alto da socrática sapiência dos viventes do Sudeste do Brasil, Mário Sabino ignora o existir da poesia do carioca Araripe Coutinho, e talvez nem a pretenda conhecer. Contudo, sacramenta o jornalista: “Literais como somos” – nós, os latino-americanos, “em geral” –, “vamos conceder que, a julgar pelos quilos a mais, Araripe Coutinho tem mesmo muito a dizer.” Seria ele assim, um “vale quanto pesa!”
O poeta conseguiu o feito memorável. Ao despir-se dos tais “conceitos” citados por Mário Sabino e, literalmente, garimpar com o próprio corpo, robusto e roliço, o que chama de “promoção da arte”, da poesia que escreve, despertou o Brasil para si... Além da mídia gratuita, diz-se de agenda lotada para entrevistas com gente famosa. Promoção maior não há!
Sobre o poeta-celebridade, disse a onírica escritora e poeta campineira Hilda Hilst, autora de excitantes elucubrações onanistas: “Diante da selvageria, do pânico, da desordem, só resta a poesia de Araripe Coutinho (...) tão jovem, mas Poeta Maior, (que) dilata de significados o meu dia.”
Sem dúvida, ela o conhecia...
Ilustração captada do/no meu IPad: "conceitual".