Segunda-feira, 26 de Novembro | 16h35 | Sociedade
Para nossa tristeza, sim! O Brasil é um país racista

Por David Leite*
Minha intenção era não comentar a posse como presidente do STF do ministro Joaquim Benedito Barbosa Gomes, pois a vi como fato normal, típico de uma democracia que busca amadurecer, caso da brasileira. No entanto, forçado pela afobação de negros, pardos, amarelos, brancos e descoloridos, resolvi escrever...
Em fins de 2007, li um livro memorável do cientista político e escritor consagrado Alberto Carlos Almeida. “A Cabeça do Brasileiro” traçava um perfil gigante sobre nosso povo, com profundidade jamais vista – radiografia de como pensava e agia. O dado mais triste: era balela aquela história de “preconceito social”, de que o brasileiro não gostava era de pobre, fosse de qualquer cor.
A psicanálise ensina que, para combater determinada propensão psicológica, o caminho ideal é tornar-se consciente dela. Então, lá vai: o brasileiro tem, sim, preconceito contra “pardos” e “negros”. Pouca gente poderia admiti-lo, pois é complicado dizer algo que nos envergonha. Todavia, o preconceito existe e se mostra mais deletério no tratamento baseado apenas pela cor da pele.
O regime de cotas, por exemplo, como toda política de afirmação social, tenta equiparar em igualdade de condição a trajetória de vida produtiva para “pardos” e “negros”. Um fato, contudo, escapa à razão simplista: ser “pardo” ou “preto” no Brasil, não importa a condição social, impõe a peculiaridade do “racismo” à brasileira. Vejamos...
No sábado, o ainda deputado João Paulo Cunha (PT-SP), condenado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro, disse o que realmente pensa o PT, ainda inconformado com a atuação do ministro Joaquim Barbosa como relator do Mensalão, empossado agora na presidência do STF: “Ele (Joaquim Barbosa) chegou ao Supremo porque era compromisso nosso, do PT e do Lula, de reparar um pedaço da injustiça histórica com os negros.” Por trás do racismo asqueroso e primitivo, uma mentira...
O filho negro de uma faxineira e um pedreiro está hoje no STF pois estudou arduamente, nunca precisou de cotas (sociais/raciais) nem favores de políticos para galgar qualquer posto, nem se curvou aos apóstolos ou ao comandante-em-chefe do petismo. Pelo contrário, agiu como manda a lei, único dispositivo que faz iguais os iguais – mesmo aqueles que se julgam supostamente “desiguais” ou “diferentes”.
Mas veio do próprio Joaquim Benedito Barbosa Gomes – contraditoriamente, apoiador do regime de cotas (um assunto que prefiro não comentar, pois essa discussão acabaria em Saturno) – a mais infame peculiaridade do “racismo” à brasileira. É fato, por exemplo, que o ministro não é o primeiro negro a integrar o Supremo Tribunal Federal. Antes dele, houve Pedro Augusto Carneiro Lessa e Hermenegildo Rodrigues de Barros – respectivamente, em 1907 e em 1919.
Também é do conhecimento até dos micos do Condomínio Morada das Mangueiras, paraíso em Aracaju, o comportamento arredio do cujo, sobretudo com os colegas a quem agora vai presidir. Pois bem, descontente com uma pergunta feita por um repórter negro – o jornalista Luiz Fara Monteiro, da TV Record –, o novo presidente do STF disse na quarta-feira que o questionamento reproduzia “estereótipos repetidos por jornalistas brancos”.
A pergunta, muito pertinente aliás, inqueria se o ministro negão estava “mais tranquilo, mais sereno”, após a primeira sessão presidindo a corte. “Eles (os demais jornalistas brancos presentes no momento da frase) foram educados e comandados para levar adiante esses estereótipos (supostamente embutidos na pergunta). Mas você, meu amigo?”, disse Joaquim Benedito Barbosa Gomes.
De duas, uma: ou o ministro achou que falava ao repórter de “negro pra negro”, porquanto censurou seu “brother de cor” pelo “inconveniente” questionamento; ou esqueceu que Luiz Fara Monteiro, antes de ser um negro presente à entrevista, estava ali na condição de repórter. Ele poderia ser branco, mestiço, amarelo – e até, carambolas,  vermelho. Cabia ao ministro respeitá-lo como profissional de imprensa, sobretudo diante de uma pergunta que interessa a todos...
Fico triste de precisar comentar um assunto tão infame. Mas é nestas horas que me sinto mais a vontade para expor minha indignação ante o preconceito – venha donde vier! O Brasil deve muito aos “pardos” e “pretos”, sim. Não pelo passado – pois passado! Mas pelo futuro auspicioso (com educação de qualidade, único caminho) ainda negado a tantos jovens que sofrem preconceito e desdita porque nasceram “pardos” e “pretos”.
A dolorosa verdade, uma envergonha à Nação, é que nascer “pardo” ou “preto” no Brasil impõe o malabarismo diário de ter de vencer atitudes hipócritas e desavergonhadas como a do ainda deputado João Paulo Cunha e do ministro Joaquim Benedito Barbosa Gomes. Que nos sirvam de lição...

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Com informações da Folha de S.Paulo, Época, Veja e Correio Braziliense.