GRANDE RATADA
No emaranhado dos constrangimentos judiciais, das inúmeras e perturbadoras gravações a expor vísceras no jornal, no rádio e na TV, depaupera a cada dia a imagem de uma figura outrora querida, respeitada e reverenciada por todos. Hoje, ex-amigos tripudiam sobre um quase-cadáver com incontida ingratidão. O riso pelo declínio se faz amiúde, entre quatro paredes.
Recluso, o poderoso de ontem enfrenta sozinho o martírio pela devoção incomensurada, ao longo dos últimos 20 anos, à causa de tantos (de todos os matizes). Antes incógnito, a imprensa fez dele o astro-monstro indesejado, o renegado da vez. Para os oportunistas, é a presa que deve ser devorada lenta e suavemente.
Mas nada é dito sobre como um mar em plena calmaria de repente se transformou na maior tempestade da história política de Sergipe. Lá se vão quase oito meses e todos esqueceram que foi pelas mãos de Sua Alteza Real, num acordo com o suprapartidário José Edvan do Amorim, que o furacão Flávio Conceição chegou ao TCE. Incrível como a memória humana é frágil.
Porém, o mais incrível de tudo é ler e ouvir de tantos defensores do soberano príncipe que Flávio Conceição se preparava para abusar de pressões visando auferir vantagens (políticas?) sobre o novo governo. Se for verdade, duas podem ser as conclusões: ou Sua Alteza Real, pobre coitado, desconhecia o histórico de atividades de quem apadrinhou; ou é irremediavelmente masoquista
Seja como for, o garboso príncipe deve até hoje maldizer aquela fatídica noite de queijos e vinhos quando, sentado com Amorim, achou ter marcado mais um tento contra aquele de quem dias depois receberia as chaves dos cofres estaduais. Grande ratada...
SEM O SER-POLÍTICO NÃO HÁ FATOS A CRITICAR
A história humana é rica em momentos onde o pensar e o contrapor foram considerados desvios pecaminosos; gestos obscenos contra o poder dominante, passíveis de grave punição! O rosário de almas jogadas às feras, decapitadas, crucificadas, queimadas vivas, enforcadas, atiradas ao mar com pedras amarradas aos pés e asfixiadas em câmaras de gás somente porque ousaram manifestar seu refletir daria para dar a volta entre a Terra e Marte.
A arte de pensar está irremediavelmente fundida à difusão de idéias. Sem os humanos não há idéia a professar ou proclamar. Quando aqui fazemos a contraposição a qualquer enunciado ou ação, estamos contestando não o ser enunciador-realizador, mas o ideário embutido no enunciado ou ação. Porém convenhamos, como dissociar quem pensa do que pensa? Como criticar a formulação sem atingir a imagem (pública e até privada) do formulador? Como, por fim, dissociar quem faz da ação que realiza?
A complexa arte do pensar, especialmente do pensar político (seja ele isento ou não de crítica), tem como atributo primaz a dialética dinâmica dos fatos. Os pensadores são primordiais porque são eles os elementos a produzir tal dinâmica -algo certamente salutar, do ponto de vista democrático.
Sem o ser-político, portanto, não há fatos. Sem fatos não haverá o porquê da crítica. Sem a crítica, seja ela positiva ou negativa, não há evolução. E sem evolução, a humanidade estará perdida.
A crítica somente ofende quando malogra ao aspecto humano, atingindo não o gestual (ações) ou a fala, mas as entranhas do ser-indivíduo. Calcados neste viés, permaneceremos totalmente libertários, prontos à crítica porquanto opinamos diante de ocorrências factuais, livres dos sentimentos vis de perjúrio, injúria e difamação!
Aliás, como diz Millor Fernandes, "O livre pensar, é só pensar!". Que seja assim também o livre criticar...