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Quinta-feira, 31 de Maio de 2012 | 19h30 | Políticas Públicas: Educação
O fundo poço II
O escrito anterior (O Fundo do Poço – vide logo abaixo) gerou várias manifestações de professores e também de leitores sem vínculo com a educação, por meio do canal https://www.facebook.com/groups/educadoracris/. Em discussão, alguns pontos interessantes, que faço questão de comentar, porquanto creio serem do interesse público. Vou dividir por partes os temas discutidos, para facilitar a dinâmica do debate e prover respostas a cada afirmação que tenha sido merecedora de observação, na minha ótica, claro.
Começo pelas investidas do ex-presidente do Sintese, professor Joel Almeida. Logo mais, tratarei dos demais contendores, em função de outras ocupações que me tomam a agenda... Diz o “cumpanheiro” Joel Almeida: “O Sintese é um sindicato. A competência para apresentar proposta para melhorar a qualidade de ensino é dos governos, e sempre insistimos nessa tese.”
De fato, tentar eximir-se da responsabilidade que a representação sindical em tese deveria ter com um projeto de qualificação da educação pública tem sido recorrente na formulação teórica dos sindicalistas sergipanos, tanto é que, num documento enviado em 13/07/2011, em contribuição ao Plano Nacional de Educação, o Sintese, sob o título “Sistema Nacional de Educação articulado ao Plano Nacional de Educação”, diz:
(...) Não se pode, também, enfraquecer o caráter público do Sistema Nacional de Educação a pretexto de que a educação é uma tarefa não apenas do governo, mas de toda a sociedade. De fato, não é uma tarefa de governo, mas de Estado. E é uma tarefa de toda a sociedade, na medida em que o Estado, enquanto guardião do bem público, expressa, ou deveria expressar, os interesses de toda a sociedade. Nessa condição, toda a sociedade deveria não apenas se sentir representada no Estado, mas vivenciar o Estado como coisa sua. Nesses termos, a forma pela qual a sociedade, em seu conjunto, estará cuidando da educação é reforçando seu caráter público e cobrando do Estado a efetiva priorização da educação. Deve-se, portanto, fazer reverter a tendência hoje em curso, de diluir as responsabilidades educativas do poder público transferindo-as para iniciativas de filantropia e de voluntariado. Com efeito, tal tendência configura um retrocesso diante das conquistas do Estado moderno. É como se estivéssemos retornando ao início da era moderna, quando a questão da instrução popular era tratada como um problema de caridade pública. Essa fase foi ultrapassada e a ela não devemos jamais retornar, sob pena de anularmos todo o desenvolvimento da sociedade moderna, que desembocou na tese da escola pública universal, gratuita, laica e obrigatória, concebida como direito de todos e dever do Estado.”
Deixando de lado a “filantropia” e o “voluntariado”, pois até a escola da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) foi fechada em Sergipe por ter os subsídios de apoio à educação cortados pelo governo do PT – sem qualquer mínimo protesto público do Sintese, frise-se –, o enunciado acima reforça o aspecto do “sindicalismo de resultados” praticado às escâncaras pela representação dos professores sergipanos, em detrimento do interesse da coletividade.
Assim atuam os sindicalistas do PT (Sintese): apenas no interesse meramente classista – em contradição com os métodos de sucesso em uso em países como a Coreia do Sul (e Japão no passado), por exemplo, que somente alcançou o atual status de excelência mundial em educação, sobretudo no exame Pisa, após a junção do governo federal, academia, entidades não-governamentais, representações sindicais dos servidores públicos e a comunidade – pais como copartícipes da educação dos filhos –, num projeto nacional pela valorização da educação pública.
No quadro publicado abaixo, apresento um comparativo econômico e social do Brasil com a Coreia do Sul, um país sem petróleo, sem minérios e com agricultura irrelevante até hoje, cujo atual destaque no mercado internacional decorre do maciço investimento na educação de qualidade. Em 1969, observem este detalhe, enquanto operavam no Brasil três grandes montadoras de carros – Chevrolet, Ford e Volkswagen –, a Coreia do Sul dava os primeiros passos para desenvolver indústrias, incluindo parques automobilísticos, partindo praticamente do zero... A meta dos coreanos era ter competitividade global em apenas duas décadas, priorizada pela atuação governamental intensa na formação de mão de obra especializada, sobretudo no setor da eletroeletrônica.
Resultado: hoje, o Brasil ainda não possui uma indústria automobilística própria nem eletroeletrônicos de renome planetário, enquanto a Coreia do Sul, além de deter marcas mundialmente reconhecidas como símbolos de status e qualidade – Kia e Hyunday, no setor de automóveis; LG e Samsung, no de eletrônicos; apenas para citar os exemplos mais vistosos –, também dá um banho no Brasil em termos de alunos melhor formados para o mercado de trabalho.
Voltando a casuística do professor Joel Almeida... Comenta ele que “os Governos de Sergipe nos últimos trinta anos têm se mostrado incompetentes para isso (dar melhor qualidade à educação), e aí, leia-se, João Alves Filho, Antônio Carlos Valadares, Albano Franco e Marcelo Déda, que confesso, esperava um pouco mais, mas tem se mostrado igual aos outros”.
Interessante é observar como é fácil agora tratar todos os governantes com a mesma pecha de incompetentes, sem assumir qualquer responsabilidade no processo – sim, porquanto uma das mais nefandas práticas dos sindicalizados do Sintese, e não apenas deles, mas de parcela significativa dos professores, foi fazer da sala de aula palanque eleitoral, em benefício de políticos filiados sobretudo ao PT. Como fazem agora com Marcelo Déda – quando acontece de comparecerem ao local de trabalho –, os professores sempre responsabilizaram os políticos pelo caos na educação, ludibriando os alunos com discursos catequizadores, em detrimento de aplicar um currículo coordenado e bem formulado. Resultado: Sergipe hoje está na rabeira da educação nacional!
Ademais, finalmente o professor Joel Almeida admite que nunca esteve entre as prioridades do Sintese contribuir com propostas para melhorar a qualidade da escola pública, tanto é que ele mesmo diz que, coitados, “Cansados da incompetência desses governos, e mesmo sabendo que é um papel que não nos cabe, resolvemos criar um grupo de trabalho esse ano para formular uma proposta avançada de educação, e aprová-la em nosso Congresso Estadual que se realizará em novembro. Agora, não sei se esses governantes conservadores toparão implementá-la.”
Vou aguardar de camarote – sentado, claro...
O professor Joel Almeida diz ainda: “Alguns governadores têm a mania de copiar programas estadunidenses e fazer os pacotes; folgo e sinto em lhe dizer que esta receita que você apresenta – ele se refere aos sete pontos em destaque no artigo anterior –, parte importante dela, já faliu no lugar onde a criaram, nos EUA”.
Santa inocência... O prezado professor Joel Almeida sugere a leitura de um artigo de O Estado de S.Paulo, de 02/08/2010, sob o título “Nota mais alta não é educação melhor”, com entrevista com a professora, historiadora da educação e pesquisadora da Universidade de Nova York Diane Ravitch, ex-presidente do National Assessment Governing Board, instituto responsável pelos testes federais nos Estados Unidos à época do governo democrata de Bill Clinton. A doutora Diane Ravitch ajudou a implementar, junto com Eric Nadelstern, atual subsecretário de Educação de Nova Iorque – guardem este nome, pois voltarei a falar dele mais adiante –, os programas “No Child Left Behind” e “Accountability”, que tinham como proposta usar práticas corporativas, baseadas em medição e mérito, para melhorar a educação.
A doutora, ex-secretária-adjunta de Educação do governo Bill Clinton, afirma que a política da meritocracia acabou provocando a queda da qualidade do sistema educacional nos EUA: “Primeiro, porque estabeleceu um objetivo utópico de ter 100% dos estudantes com proficiência até 2014. Qualquer professor poderia dizer que isso não aconteceria – e não aconteceu. Segundo, os Estados acabaram diminuindo suas exigências e rebaixando seus padrões para tentar atingir esse objetivo utópico. O terceiro ponto é que escolas estão sendo fechadas porque não atingiram a meta. Então, a legislação estava errada, porque apostou numa estratégia de avaliações e responsabilização, que levou a alguns tipos de trapaças, manobras para driblar o sistema e outros tipos de esforços duvidosos para alcançar um objetivo que jamais seria atingido. Isso também levou a uma redução do currículo, associado a recompensas e punições em avaliações de habilidades básicas em leitura e matemática. No fim, essa mistura resultou numa lei ruim, porque pune escolas, diretores e professores que não atingem as pontuações mínimas.”
Mas quem disse que o que é bom para os EUA é bom para o Brasil? – eu é que não fui, apesar de ter estudado num universidade americana e saber como a metodologia é totalmente diferente da abordagem comumente usada na academia brasileira, e louvar o sistema de meritocracia. Aliás, o professor Joel Almeida não captou a essência das minhas propostas. Entende-se o porquê, afinal ele esteve dedicado nos últimos 20 anos a tentar barganhar dinheiro e vantagens para os colegas, não a pesquisar os motivos pelos quais alguns municípios brasileiros têm se destacado dos demais na qualidade do ensino ministrado nas escolas públicas.
Em auxílio ao ilustre sindicalista, peço que por ora o professor Joel Almeida esqueça a doutora Diane Ravitch e se detenha, se tiver um tempinho, no trabalho de um grupo de pesquisadores do Instituto Fernand Braudel (de São Paulo), que visitou escolas e realizou entrevistas com diretores, professores, supervisores, alunos, coordenadores de pais e gestores do alto escalão da Secretaria de Educação de Nova Iorque, para aferir as razões pelas quais a reforma educacional na cidade, iniciada em 2002, mostrou resultados surpreendentes (veja link para o relatório em PDF abaixo). O trabalho desse grupo, aliás, rendeu uma série de quatro artigos no jornal O Estado de S.Paulo, e a vinda de Eric Nadelstern, para encontros com gestores, professores e sindicalistas em São Paulo (veja link para os artigos abaixo, publicados num livro em PDF).
Por outro lado, como a retórica do professor Joel Almeida está baseada na premissa de que somente a turma da esquerda, esses iluminados, tem condição de mudar o mundo, no âmbito da educação, o que está dando certo hoje no Brasil vem exatamente na contramão do que ele e seus colegas pregam – qual seja: o estabelecimento de metas para a sala de aula, pois quando a escola passa a ser cobrada e até premiada por seu cumprimento, tal como ocorre no mundo corporativo, como um bônus salarial para profissionais que elevam o nível do ensino, quem ganha é o aluno pobre.
O sistema de meritocracia à brasileira é adotado atualmente por 20% das 180 mil escolas públicas do País, com resultados exultantes, mesmo que ainda distantes dos de países mais avançados. Não é por acaso que dos dez municípios a ocupar os primeiros lugares na lista de excelência do Ministério da Educação (Prova Brasil, relativos ao resultado do 9º. Ano do ensino fundamental em língua portuguesa, e Pisa 2009), sete sejam mineiros – lá, os programas de qualificação da educação tiveram continuidade, independente de quem fosse o prefeito, governador, sindicalista-mor...
Na verdade, prezado professor Joel Almeida, o que afinal faz o sucesso daquelas sete metas por mim apresentadas, e que são adotadas pelas escolas públicas brasileiras que têm nível de excelência na educação, é o fato de serem a junção de medidas já testadas em outros países, adaptadas à vocação do Brasil, e que se sobrepõem ao corporativismo defendido pelo amigo, lamentavelmente ainda em voga no ambiente escolar e fator maior para Sergipe hoje estar na rabeira nacional nos exames do MEC, aliado à incompetência – e nisso o senhor está coberto de razão – do governador que os professores sergipanos, o senhor em particular, ajudaram com seu voto a eleger e reeleger e a quem agora, de forma desrespeitosa, comparam com um assassino como Adolf Hitler.
Por hoje é isso... volto quando o tempo me permitir para responder aos demais contendores.
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A reforma educacional de Nova York | Possibilidades para o Brasil
Qualidade na Educação | A luta por melhores escolas
1. A luta por melhores escolas em São Paulo e Nova York, em 20 de abril de 2007.
2. O grande esforço de ensinar e aprender, em 20 de maio de 2007.
3. Ordem e desordem nas escolas, em 17 de junho de 2007.
4. O que deve ser feito? Publicado em 16 de junho de 2007.

Veja também (em inglês), acerca do livro da doutora Diane Ravitch, um descritivo: “The Death and Life of the Great American School System: How Testing and Choice Are Undermining Education. Study Guide, prepared by Carol Burris”. http://www.dianeravitch.com/Study_Guide_for_Death_and_Life.pdf

Comparativo Brasil x Coreia: um exemplo de sucesso que levaremos anos, talvez décadas, para alcançar (clique na foto para ampliar).
OBS: Peço desconsiderarem o valor do PIB, grafado incorretamente no quadro acima. O Brasil, em 2009, teve um PIB de R$ 3,1 trilhões, equivalentes a US$ 1,65 trilhão (pela cotação média anual do dólar a R$ 1,9 ); enquanto a Coreia do Sul teve um PIB de US$ 1,37 trilhão, portanto um pouco abaixo do Brasil...

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