A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL (IA) ENTROU NO JOGO ELEITORAL
Por David Leite*
Desde os anos 1960 e 1970, conhecer a sociedade que se busca
influenciar eleitoralmente tem como base as pesquisas qualitativas
[investigação em profundidade com pequenos grupos de pessoas de
diferentes opiniões debatendo temas específicos] e quantitativas
[investigação em campo, com grande número de pessoas e
questionários fixos]. Com a Inteligência Artificial (IA), é
possível elevar esse nível de influência prática a outro patamar
de sofisticação.
Com dados coletados por uma variedade de plataformas nos smartphones
dos eleitores, rastreiam-se seus desejos, anseios e medos mais
íntimos de modo preciso e, com base nesses dados, pode-se afetar até
as suas opções de votação. O ser humano é altamente manipulável,
como tem provado a neurociência, e essa manipulação pode ser
ativada através de “gatilhos” fazendo com que, mesmo pessoas até
então desconhecidas e sem ligação com o “mercado eleitoral”,
possam fazer propaganda com grande impacto em períodos relativamente
curtos, sobremodo perto dos pleitos.
Já está comprovado através de farta documentação que a IA da
empresa britânica Cambridge Analytics (CA), especializada em
programas de mudança comportamental com o objetivo de “influenciar
eleições”, ajudou a eleger o presidente Donald Trump nos EUA e
garantiu a vitória a favor do Brexit. Essa poderosa máquina
invisível ativou um sistema que se apossava da personalidade de
votantes individuais, alavancando a manipulação emocional com
enxames de bots (robôs), criando assim o ambiente para grandes
mudanças na opinião pública – o “efeito manada”.
Essas tecnologias já haviam sido usadas em pleitos anteriores com
algum resultado, mas juntas passam a operar como uma máquina quase
impenetrável de manipulação do votante, afetando eleições em
todo o mundo. Os algoritmos traçam o perfil de milhões de pessoas e
selecionam quem se enquadra para receber determinado conteúdo,
tarefa manualmente impossível até mesmo para um grupo grande de
cientistas. A IA da Cambridge Analytics foi desativada após o
escândalo de dados do Facebook que envolveu a coleta de informações
pessoais de até 87 milhões de usuários da plataforma, utilizadas
para influenciar a opinião de eleitores em vários países.
Nesta quinta-feira, 12, num grupo de WhatsApp, o deputado estadual do
PTB de Sergipe Rodrigo Valadares acusou o projeto RenovaBR, uma
iniciativa de mobilização política idealizada pelo empreendedor e
investidor Eduardo Mufare para apoiar o surgimento de novas
lideranças no Brasil – especialmente, jovens com boa formação
educacional –, de utilizar-se da IA, nos moldes da Cambridge
Analytics, para influir no pleito de 2018, incluindo neste rol a
eleição surpreendente [e ainda pouco explicada] do senador do
Cidadania Alessandro Vieira.
Em vários momentos após o pleito de 2018, em conversas com colegas
jornalistas e políticos, alertei para a suspeita de haver algo
estranho do ponto de vista eleitoral e de marketing político por
trás do crescimento exponencial, nas proximidades da votação, da
intenção de votos de Alessandro Vieira, além, obviamente, do erro
crasso dos adversários – excetuando Rogério Carvalho – de pedir
votos para ele. Segundo Rodrigo Valadares agora aponta, um processo
avançado de captação de dados e disparo de material de campanha
extraoficial teria impulsionado esse crescimento.
Temos um desafio pela frente, pois a coisa é séria, muito séria
mesmo! Inclusive, já conversei com alguns candidatos a prefeito de
Aracaju a fim de se prepararem para enfrentar o uso desse esquema no
pleito deste ano. Quatro etapas são fundamentais para evitar o
impacto dessa interferência eleitoral, com base no que se viu em
2018: (1) rastrear a exposição à manipulação; (2) combinar esses
dados de exposição com dados sobre o comportamento da votação;
(3) avaliar os efeitos das mensagens manipulativas no comportamento e
(4) calcular o impacto agregado das mudanças de comportamento no
resultado da eleição.
“A inteligência artificial é uma das coisas mais profundas em que
estamos trabalhando como humanidade. É mais profundo do que o fogo
ou a eletricidade”, disse o presidente da Alphabet (proprietária
do Google), Sundar Pichai, em entrevista no fim de janeiro, durante o
Fórum Econômico Mundial. Espero que as palavras dele ecoem entre os
políticos sergipanos – e também os do Brasil – para termos uma
eleição limpa e sem maiores interferências da IA e, portanto, do
poder econômico.
[*] É consultor em Marketing Político e Eleitoral.
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Publicado originalmente em
https://www.nenoticias.com.br/david-leite-inteligencia-artificial-nas-eleicoes-em-sergipe/.
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