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Domingo, 10/07/2011 | 14h40
Das virtudes do decrescimento sereno
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Em meio à campanha eleitoral de 2010, pude desfrutar de um instante impar. A leitura –e posterior sucinto debate– do excepcional estudo “Pequeno tratado do decrescimento sereno”, escrito pelo professor emérito de economia da Universidade de Paris–Sud XI (Orsay) Serge Latouche, presente que me foi dado pelo mestre-filósofo e jornalista Sávio Grossi, mente brilhante com a qual tive o prazer de estabelecer prolíficos colóquios e de quem tornei-me grande admirador.
No livro, sem o tom do economês –eis seu grande mérito: traduz o atual debate econômico/social em linguagem palatável–, o professor francês reflete sobre como a atividade humana abusa da capacidade de regeneração dos ecossistemas do planeta, a ponto de comprometer os objetivos econômicos, sociais e sanitários fixados pela Comunidade Internacional, através da Organização das Nações Unidas (ONU), as chamadas “Metas do Milênio”.
Em geral, vindo de um pensador de esquerda, o estudo poderia ser classificado, a priori, como “anti-capitalista”. No entanto, com bases históricas e filosóficas sólidas, Serge Latouche propõe um debate acima do sistema político-financeiro-econômico, no caso a adição de capital ao capital, indo de encontro ao modo de vida da civilização humana, o consumo desenfreado e as consequências deste crescimento infinito num mundo finito, com recursos renováveis cada vez mais escassos.
O decrescimento proposto pelo cientista francês decerto não é uma inversão mecânica do crescimento, mas a construção de uma sociedade mais sóbria e, sobretudo, mais equilibrada. Com efeito, seria o abandono do crescimento ilimitado, objetivo cujo real interesse não é outro senão a busca do lucro por quem detém o capital, com consequências desastrosas ao meio ambiente –prejuízos que terão de arcar as gerações futuras, em detrimento do bem-estar de quem hoje habita a Terra.
Serge Latouche alerta: “A regressão social e civilizacional é precisamente o que nos espreita se não mudarmos de trajetória (...) uma sociedade cuja meta seja viver melhor, trabalhando e consumindo menos. Uma proposta necessária para que se volte a se abrir espaço à inventividade e à criatividade do imaginário, bloqueado pelo totalitarismo economicista, desenvolvimentista e progressista.” Neste sentido, em um sistema baseado na acumulação ilimitada, quando há desaceleração, ocorrem as crises, como as que vemos na Europa (zona do euro) e EUA, agora...
Para finalizar esta minha retórica domingueira (sobretudo após saber que em outubro a humanidade alcançará a cifra de sete bilhões de viventes), pois seriam necessárias muitas e muitas páginas para prosseguir com um debate tão excitante, acresço –com perdão da palavra– a este escrito o que Serge Latouche chama de “ingredientes necessários à sociedade de consumo (desenfreado)”: a publicidade, que cria o desejo; o crédito fácil e “vantajoso”, que fornece os meios à aquisição de bens e produtos que por vezes não se precisa; e a obsolência acelerada (e programada) dos produtos, que renova a necessidade incessante deles. No tocante à publicidade, não sem razão, tem o segundo maior orçamento global, perdendo apenas para o da indústria de armamentos bélicos.
O debate proposto por Serge Latouche não para aqui, naturalmente. Para prossegui-lo, sugiro que se leia o livro...
Não faltará oportunidade para um embate baseado nas suas revolucionárias ideias, que, aliás, não surgiram com ele, mas pela observação de vários homens e mulheres, ao longo do último século, para quem a acumulação de riqueza tem sido bastante nociva à humanidade.
E me vem à mente a história do monge que foi visitado por um homem muito rico. Ao adentrar no amplo santuário-casa, o estrangeiro notou a completa ausência de móveis (havia apenas uns poucos tapetes espalhados ao léu) e quis saber o porquê. O monge, para surpresa do visitante, lhe fez a mesma inquirição: “E os seus móveis, onde estão?”, ao que ouviu: “Mas eu estou aqui de passagem!” “Pois é, eu também”...
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PS – As contradições da vida... Hoje, revendo alguns vídeos que considero muito interessantes no YouTube, detive-me num que trata sobre a evolução da qualidade de vida (saúde) da humanidade nos últimos 200 anos. O médico inglês de origem dinamarquesa Hans Rosling mostra a história do desenvolvimento do planeta nos últimos dois séculos, transformando estatísticas em animação gráfica interativa. O material, de grande relevância, foi exibido no programa “The Joy of Stats”, da BBC 4, e está legendado em português. Vale a pena conferir...

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